Santo Antonio, São João e São Pedro. As festas juninas estão entre as celebrações mais populares do país, mas contêm o elemento religioso, do catolicismo, que costumava afastar evangélicos das comemorações.
Há ainda elementos de festa pagã --os cultos solares, que já aconteciam na Antiguidade nos dias de solstício de verão no hemisfério Norte-- e sincretismos religiosos --é o início do ano agrícola para os indígenas brasileiros, que cultivavam o milho, um dos principais integrantes da mesa junina-- abominados pelas igrejas evangélicas.
O fim dessa resistência, no entanto, foi ensaiado e já é praticado em comunidades evangélicas do Nordeste ao Sul, sem no entanto elementos que remetam ao que os adeptos desaprovam.
As fogueiras, por exemplo, nem sempre são acesas. Os santos não existem (a Festa de São João virou a de "Sem João, com Cristo") e as bebidas não incluem álcool. O quentão (cachaça fervida com gengibre) virou o "crentão" (algum suco fervido com gengibre). Há até o vinho crente, feito com suco de uva.
"O crentão é um quentão sem álcool. Não tem mastro, não tem fogueira. Alguns pastores, que são muito radicais, acham que tudo o que não é evangélico é errado. Mas aproveitamos uma festa boa e tiramos aquilo que pode ter erro e fazemos a festa apenas para a congregação", afirma o pastor Cristiano Mendes, 34, da Congregação Luterana São Paulo, de Curitiba.
Segundo o pastor, a ideia é apenas ter a caracterização caipira e as comidas. Foi criada a pedido do movimento jovem da igreja para arrecadar fundos para os departamentos de jovens, atrair vizinhos e ter o seu lucro."A festa junina é uma tradição brasileira. Não é só da Igreja Católica. É feito na igreja, mas sem conotação cristã. Acontece o culto jovem e depois é a confraternização. A gente ia mudar o nome para festa caipira. É uma oportunidade de confraternização, sem estar ligado aos santos. Falam em festa de são João, mas não são para o santo em si", afirma o pastor Cristiano. "Acredito que possa ter [algo pagão], mas nunca fui em uma que tenha tido. É só uma cópia do que acontece no Nordeste."
Alguns pastores, que são muito radicais, acham que tudo o que não é evangélico é errado. Mas aproveitamos uma festa boa e tiramos aquilo que pode ter erro
Cristiano Mendes, pastor da Congregação Luterana São Paulo, de Curitiba
Em São Bernardo do Campo (SP), a Bola de Neve Church fará no sábado (24) a Festa do Crentão. No ano passado, o evento reuniu 1.400 pessoas, segundo a organização. O tema de 2017 é bem distante do universo junino: Bollywood, o polo cinematográfico indiano, inspirado na Hollywood norte-americana.
Tem quadrilha? Às vezes...
As danças de quadrilha, quando existem, são com o forró da banda gospel Shallom. "Festa de crente oferece comida, festa do mundo oferece cachaça; festa de crente termina com alegria, festa do mundo quando acaba é sem graça; festa de crente tem hora pra terminar, festa do mundo só termina quando há faca", diz a letra de "Incompatibilidade", sucesso nos arraiais adaptados."É uma música polêmica, porque trata de forma descontraída [das diferenças entre as festas]. A gente costuma abrir alguns eventos [com ela]. É um tanto diferente, a gente trata o assunto que, para nós, é uma verdade: o cara toma bebida alcoólica, e aí acontece um acidente", afirma o proprietário da banda, Sandro Sacramento.
Segundo o músico, os convites para as festas de Sem João, com Cristo vêm acontecendo com frequência de cinco anos para cá. "É mais como uma estratégia no segmento evangélico", diz. "Neste mês de junho, muitos jovens não têm outra atividade e se desviaram da religião nesse período: se sentiram tentados por uma festa junina, tomaram um gole de cerveja e foram atraídos pelo ritmo. E a gente quer mostrar que o forró não está restrito ao segmento secular, que a palavra de Deus pode estar inserida. É se reunir, ouvir um pé de serra com a família, botar os brinquedos com as crianças."
Crítica às celebrações
Pastor titular da igreja Nova Aliança, em Água Verde, bairro de classe média de Curitiba (PR), Robson Hernandes de Oliveira, 58, é crítico do uso das atividades juninas pelos evangélicos. Acha, por exemplo, que já existem formas de levantar fundos para a instituição, como as doações."Nós não fazemos", diz. "Acho melhor evitar, porque a gente identifica o que não endossa, como veneração a figuras históricas que são valiosas, mas a forma de venerar não é algo que a gente valida. Eu preferi não fazer por essa questão sincretista. Eu prefiro me afastar desse constrangimento desnecessário."
A posição do pastor é se distanciar de qualquer forma de comércio que possa evitar algum tipo de crítica --e o Sem João seria uma delas. O pastor classifica como "um prejuízo moral" figuras que aparecem muito na mídia, são passíveis de críticas e identificados "com pastores de milhares de igreja tentando sobreviver".
Acho melhor evitar, porque a gente identifica o que não endossa
Robson Hernandez de Oliveira, 58, pastor da igreja Nova Aliança, que não aderiu às festas juninas
"A origem dessas festas, no meu modo de ver, está ligada à exaltação de personagens cristãos históricos, mas, ao lado da personalidade, há um tanto de mito, estimulado pelo folclore", afirma Robson. "Como entendemos biblicamente que não precisamos buscar uma pessoa para mediar a relação entre nós e Deus, isso nos basta. Não queremos dar espaço para que essas pessoas sejam dadas como intermediadores, não queremos uma celebração que nos dê essa impressão ou estimular o sincretismo, que é danoso para a igreja, a gente evita. Mas respeito quem faz."