Terreiro de candomblé é atacado com pedras, ovos e legumes podres



Os feixes de luz que, durante o dia, invadem o terreiro Ilê Axé Obá Inã, na Penha, Zona Norte do Rio, não têm nenhuma motivação decorativa ou espiritual.

Os buracos nas telhas de alumínio, por onde os raios de sol invadem o local de culto, são reflexo do preconceito, manifestado na forma de pedras portuguesas lançadas recorrentemente sobre o espaço há pelo menos um ano e meio, perfurando o teto e a dignidade dos frequentadores — uma perseguição que não cessou nem com as denúncias à polícia.

Márcio Virginio da Silva, de 37 anos, o babalorixá Márcio de Barú, responsável pelo terreiro de candomblé na Penha, tentou seguir o caminho do diálogo.

Nos primeiros ataques, que também incluíam ovos e legumes podres, acreditou que as agressões logo parariam. Depois, procurou a síndica de um prédio que fica ao lado do espaço, de onde julga estarem sendo lançados os objetos, e até foi bem recebido. Contudo, a reunião de condomínio convocada para tratar do caso acabou desmarcada. Desde então, já são dois registros de ocorrência na 22ª DP (Penha), ambas nos primeiros meses deste ano. Há dez dias, logo após as atividades de uma noite de segunda-feira, o babalorixá retornou à delegacia, acompanhado de testemunhas, para relatar mais um episódio de violência.



— Desta vez, a pedra quase atingiu o rosto de um filho de santo da casa. Passou do lado. O pior de tudo é que, nesta última ocasião, eu sequer consegui formalizar a denúncia. A pessoa que estava lá (não sei se era inspetor, agente, delegado) falou que eu precisaria tirar umas fotos do telhado e das pedras, para ver se aí, quem sabe, daria para registrar a ocorrência. Estão esperando o quê? Que acerte uma criança? A gente se sente muito desamparado — desabafa Márcio.

A história do babalorixá não é um caso isolado. Vizinhos das vítimas são a principal autoria dos crimes de intolerância religiosa, respondendo por 25% das ocorrências. Do mesmo modo, entre os locais onde acontecem os ataques, os locais de culto surgem como o segundo endereço mais frequente da discriminação, perdendo somente para a residência do agredido.

Em maio deste ano, uma jovem procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) para denunciar o ex-marido, com quem continuava morando devido a dificuldades financeiras. Na especializada, ela contou que, durante uma discussão na casa em que os dois dividiam em Padre Miguel, na Zona Oeste , o homem a atacou fisicamente e, como se não bastasse, fez uma série de ofensas à sua religião: “Puta pobre, macumbeira, sou preconceituoso mesmo”, disparou o agressor, segundo o registro de ocorrência.

— A gente já sai com medo de bala perdida, de assalto, de atropelamento. Aí, acaba agredido ou apedrejado por conta da nossa fé. É triste, né? — diz o babalorixá Márcio de Barú.


‘Sua macumba fez ela ficar doente’

Jorgina de Mendonça, de 61 anos, teme sair às ruas. Até a hora de comprar pão pela manhã virou um martírio para a mãe de santo, que trabalha como cuidadora e doméstica na casa da professora aposentada — e sua filha de santo — Sandra Portugal, de 56. As duas dividem o sobrado onde Sandra, que tem câncer no abdômen e faz sessões semanais de quimioterapia, mora há três décadas na Ilha da Conceição, em Niterói.

Uma pedra arremessada da rua, e que quebrou o vidro de uma das janelas da casa, no início de fevereiro, marcou o início de uma série de episódios de intolerância na vizinhança. Sandra lembra com detalhes o que aconteceu na manhã seguinte, quando foi ao ponto de ônibus para tentar descobrir quem era o autor do ataque, posteriormente registrado na polícia.

— Um vizinho saiu de casa aos berros, me chamando de feiticeira, de bruxa. Não fazemos nada errado. As pessoas têm medo do que não conhecem — conta Sandra.


Nos dias seguintes, o alvo das agressões passou a ser Jorgina. Certa vez, enquanto ela acompanhava Sandra, veio o grito: “Sua macumba fez ela ficar doente”.

— Não aguento mais essa perseguição — desabafa a cuidadora, que saiu de casa pela primeira vez com os trajes de mãe de santo para encontrar a equipe do EXTRA.

Quando as ofensas não se dão nas ruas, a internet vira terreno fértil. Em abril, a Federação Nacional do Culto Afrobrasileiro (Fenacab) denunciou à polícia ataques sofridos em redes sociais. As postagens incluíam frases como “o povo do candomblé não vale aquilo que defeca” e a sugestão da criação de um “grupo de extermínio religioso”.


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