Pastor diz que “mendigos têm dever bíblico de passar fome” e gera repúdio na Internet

Clérigo da Igreja Batista Redenção, com perfil e mensagens ultrarreacionários, causou espanto em cristãos. Ele publica fotos com armas e mantém discurso recheados de críticas à esquerda

Muitos usuários do Facebook f
oram surpreendidos nesta segunda-feira (2) com uma publicação inacreditável feita por um pastor que é líder da Igreja Batista Redenção, de São Paulo. 

Marcos Granconato, que mantém um perfil recheado de fotos com armas, mensagens ultrarreacionárias e posts com críticas insistentes à esquerda, disse que “a maioria dos mendigos têm o dever bíblico de passar fome, pois Paulo diz aos Tessalonicenses: se alguém não trabalha, que também não coma”. É possível perceber que o clérigo tenta embasar o absurdo numa citação da Bíblia, mas isso não impediu que muitos internautas o respondessem de maneira indignada.

“Então a maioria dos mendigos são vagabundos na sua visão? O senhor diz isso com base em quê?”, questionou um evangélico.

“E o que Jesus disse sobre, tive fome não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber e etc?”, lembrou um outro cristão, cuja única resposta que recebeu de Granconato foi um deboche por um deslize ortográfico cometido em sua pergunta.

“Engraçado, o texto de Mateus 25 não se aplica à caixinha na cabeça do pastor, mas o de Tessalonicenses sim. Uma aula de Hermenêutica: Cristo é um dos moradores de rua que o senhor negou comida, pastor. Cristo é o amor por quem não tem nada, é a compaixão pela dor do próximo. Todo esse desprezo me espanta. Os seus posicionamentos são o reflexo exato do que a igreja evangélica tem se tornado no Brasil. Eu sinto muito e espero que Deus lhe abra os olhos”, disparou um outro fiel evangélico, criticando duramente o líder extremista.

“Então a maioria dos políticos e pastores são vagabundos sanguessugas. Não trabalham e vivem com o dinheiro dos pobres trabalhadores que morrem de trabalhar, para bancar os VAGABUNDOS. Então deveriam passar fome também. QUEM NÃO TRABALHA, TAMBÉM NÃO COMA!”, protestou uma mulher contra o pastor.

Uma análise pormenorizada no perfil do pastor Granconato faz qualquer um perceber que o “guia espiritual” tem uma visão um pouco diferente do que se espera de um líder cristão. Há fotos praticando tiro com pistola e escopeta, um alvo de papel todo furado e mensagens, digamos, ameaçadoras para um seguidor do Nazareno.

“Preciso ajustar a mira”, diz o pastor na foto com o alvo perfurado fora da área central. “Cajado moderno”, escreveu ele segurando uma escopeta calibre 12. A desculpa para o discurso diametralmente oposto ao pacifismo de Jesus Cristo é o já conhecido direito de defesa, sabe-se lá contra o quê.

"Eu quero sim influenciar pessoas, instigando-as a praticar o tiro esportivo e ter armas em casa, desde que legalmente. Eu aprovo isso como cristão e creio que todos, após cumprir certas exigências, deviam ter armas em sua residência, em seu carro e em seu local de trabalho. Acredito que isso é sábio e bom. Se eu pudesse, pregaria armado, com um coldre sob o paletó, para proteger meu rebanho de loucos assassinos que atacam igrejas indefesas", argumentou. 

Numa outra postagem, Granconato parece preocupado em refutar a fama do presidente Jair Bolsonaro após a pior pandemia dos últimos cem anos, que deixou mais de 650 mil mortos no Brasil, depois da desastrosa condução promovida pela gestão do presidente de extrema direita. “O que é genocídio?”, confronta o clérigo, ainda que sem mencionar o chefe de Estado brasileiro.

Na galeria de despropósitos de Granconato também há espaço para piadas com presidiárias e aborto. O meme diz que um homem teria ido para um presídio feminino após “se declarar mulher” e que lá teria engravidado uma detenta. O cristão legenda a figura com a seguinte frase: “Pra quê se preocupar? Nada que um abortinho não resolva!”.

Cristianismo?

Para o pastor Zé Barbosa Jr, da Comunidade Batista do Caminho em Campina Grande (PB) e membro da Aliança de Batistas do Brasil, esse tipo de "pregação" tornou-se comum e não passa, na realidade, de um cristianismo sem Cristo.

"É um cristianismo sem Cristo, distante de qualquer semelhança àquele que disse "eu tive fome e me deste de comer". No Evangelho, Cristo se identifica com o pobre, com o necessitado. É justamente o contrário desse arremedo de cristianismo, baseado na meritocracia e nas conquistas individuais. O pensamento cristão é sempre coletivo, plural, comunitário. Se o pão não for Nosso, não é dádiva do Pai Nosso", explicou Barbosa.

Sobre o crescimento do "fenômeno" ultrarreacionário, o pastor da comunidade paraibana explica que ele sempre esteve entre nós, mas que Bolsonaro parece ter tirado a vergonha e dado coragem a quem pensa e "prega" dessa forma.

"De alguma forma, sempre existiram, mas o bolsonarismo trouxe "coragem" a essa gente. Não é diferente das ações machistas, lgbtfóbicas, racistas que temos visto aqui e ali. Esse fenômeno, o bolsonarismo, deu voz a essa gente medíocre, tacanha e má. Então essa fé que abraça a lógica armamentista, que expurga e explora ainda mais o pobre e que legitima todo tipo de violência, apesar de sempre existir, nunca foi tão explícita e, até mesmo, celebrada. Bolsonaro abriu as "portas do inferno" e parte da igreja brasileira, finalmente, se sentiu representada", opinou o pastor.

Já em relação ao líder espiritual adepto do discurso da lógica odiosa da extrema direita, Barbosa relembra que não é a primeira vez que ele se manifesta de maneira abertamente contraditória ao cristianismo.

"Não é de hoje que o Marcos Granconato aposta no fundamentalismo bolsonarista como forma de exposição. São constantes publicações lgbtfóbicas, armamentistas e outras na intenção de ser um dos representantes desse momento cruel de parte da igreja brasileira. E ele (como os outros) apostam exatamente na barbárie como forma de chamar a atenção. Usando uma linguagem bem bíblica: são cegos guiando cegos, cujos deuses são seus próprios umbigos e, mentirosos, são filhos do diabo! É só mais um idiota querendo surfar no bolsonarismo, enquanto pode. Seus dias estão contados", concluiu.
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